27 de ago. de 2013

Biscoito da sorte

IMAGINE

Já passava das duas e ainda não tinha almoçado. Pendurada no metrô cheio, desequilibrada em uma sapatilha escorregadia. Minha nuca estava pegajosa, assim como minha dignidade. Nem um pouco parecido com aqueles cenários clichês de filme francês onde o metrô é, no mínimo, limpo. Meu cabelo desordenadamente preso em um coque ameaçava cair e minha mão livre quase esbarrava no traseiro de um sujeito careca à minha frente. Parece que, de propósito, a velocidade ia caindo, só para me irritar. Me imaginei pulando da saída de emergência naquele momento, só para respirar um pouco de ar fresco. Com poluição dissolvida, mas é o suficiente. Fios castanhos da minha franja começavam a grudar na minha testa. Desviei para a janela. Não, não vou fazer isso, disse a mim mesma.

Enquanto isso, um garoto roçava a manga de sua camisa jeans em meu braço e pude perceber pelo canto do olho que era um daqueles rapazes que se julgam os chefes da plebe. Os hipsters que compram em brechós. E usam o fone branco da Apple. Do fone, saia no que supus ser o maior volume, uma musica que costumava ouvir. No ensaio de uma banda. Da banda do meu ex. O baterista mais enfurecido que já conheci, aliás. Então passei a ouvir apenas a bateria. E odiá-la cada vez mais. E odiar o hipster-da-camisa-jeans também. Sou ressentida, admito. Lembrei-me de um desenho que havia feito dele e estava amassado no meu bolso de trás. Desejei rasgá-lo naquele momento.

Fiz duas preces mentalmente para a desgraça do metrô ir mais rápido e assim que cheguei, já empurrei todos os que estavam no meu caminho para sair depressa. Ouvi alguns murmúrios e palavrões, mas pude ajeitar meu cabelo no topo e abaixar minha camisa. Alguém já havia me dito que parecia 'de vó'. Não sei se foi um elogio (vintage continua na moda) ou se estava apenas me chamando de antiquada. Naquele dia, apenas dei de ombros e continuei meu trajeto, recordei. Quando retomei à realidade, me encontrei de frente a uma pilastra, encarando-a, com o cenho franzido, como se estivesse refletindo algo importante sobre ela. 'Será que essa é a 9 3/4?' Ou seja lá qual for o número. Nunca assisti o filme. Parece coisa que o Sr. Camisa Jeans veria. Mas por que eu lembrei dele mesmo? Droga. Olhei pelo ombro discretamente para checar se ele estava no corredor. Vinha em minha direção. Merda. Continuei andando, acelerando o passo. Passei pela catraca. Pulei no primeiro restaurante que encontrei. Era de comida chinesa. Pedi alguma coisa randômica de nome tipicamente estranho e me acomodei no banco da mesa colada na parede. O lugar estava vazio. Em minutos, senti um cheiro forte (e incrivelmente bom) que parecia ser de algum tipo de macarrão. Tentei curtir o silêncio.

Mantive os olhos fechados até ouvir a porta abrir. Ele vinha me seguindo. Me encarou rapidamente antes de ousar sentar em minha mesa. Como se me conhecesse. Como se fosse rotina.
–Só quero que saiba –começou– que ele é um babaca. –Apontou para meu desenho que ele foi desamassando do meio das mãos. O desenho que imaginava estar no meu bolso, mas agora o sentia vazio. –O vi na tv um dia – O dia em que ele gritou e terminou comigo em rede nacional. Que ótimo. Mais alguém para me lembrar disso. Pelo mãos não sou só eu que sei que ele é um idiota. Isso foi reconfortante. 
O máximo que pude fazer foi murmurar. Ele sorriu com o canto da boca.
–Pegue –disse, estendendo um pequeno biscoito da sorte– Isso pode te ajudar.
–E você vive distribuindo biscoitos para garotas abaladas emocionalmente que encontra por aí? –Perguntei acidamente.
–Não necessariamente, –desviou o olhar – mas gosto de distribuir conselhos. Se vem do biscoito da sorte chinês,  é confiável o bastante para donzelas da cidade. –disse, com um péssimo sotaque arcaico. Alguma coisa copiada de filmes preto-e-branco da década de 1960.
Revirei os olhos. Quebrei o biscoito e puxei o papel de dentro dele. Estava escrito 'Nunca ouça quem te diz para nunca conversar com estranhos'. Levantei as sobrancelhas.
–Você escreveu isso agora, não foi? –Segurei o comentário sobre o garrancho que sua letra era.
–Na melhor das intenções. –Cerrou os olhos. Minha comida chegou. –Melhor eu ir. Até logo.
–Tchau? –Soltei, quase como um sussurro, enquanto o estranho me dava as costas. Encarei novamente o papel. Vi a sombra da letra no verso e o virei. 'Ainda mais estranhos que se chamem Rodrigo e tenham um número tão fácil de gravar'. Estava escrito, e seguido de um número com muitos noves e três. "Com certeza não muito cotidiano", senti ,eu estômago palpitar. Segurei o garfo de uma mão e o celular com a outra. Digitei, enquanto mastigava ferozmente. Algo que sempre apagava. Terminei com um 'Ha-ha'. Tremi  não sei por que ao apertar o 'enviar'. 

O celular vibra com a resposta.

5 comentários:

  1. Adorei! Simplesmente imaginei as cenas...
    xoxo

    candy-yeah.blogspot.com.br

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  2. AMANDA! Primeiro, vou confessar: tô comentando sem ler o texto. Segundo: calma, vou explicar. Tô aqui porque acho que seria importante to let u know that u inspire me. Srsly. Quando vi teu comentário super-fofo-e-de-quem-leu-o-post-e-não-só-viu, achei isso bem legal. E você é uma das blogueiras que tá aqui há bastante tempo.
    Não te acompanho desde sempre (não gostava, confesso²), mas sei que tu tem um estilo próprio. WHO CARES se é do agrado de todo mundo a postagem de hoje, ou se todos vão comentar? O importante é que você mesma gosta. Não sei explicar. Mas tô passando por um "complexo-de-blogueira-em-hiatus" e vim aqui me inspirar um pouco. É. Beijos <3

    Hey Debee

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    1. Obrigada pela parte que me toca. AGORA LÊ O POST! SIDFHNAUEIDHNIASHFEUDSIUHSAIDHI brincs, mas feliz que tenha mudado de ideia e curtido aqui! o/ Me sinto velha agora, poxa ;-; São ~apenas~ dois anos e meio nas costas IUSHFIUAHDFIUAIUSDA go ahead <3

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  3. Pouquíssimas são as vezes que venho deixar um comentário aqui mas isso não significa que eu não visite seu blog frequentemente. E como sempre, me apaixonei pela crônica! Gosto tanto dos seus textos por mostrarem que é isso que você gosta de fazer e não importar se é uma minoria ou praticamente todo mundo viveu/vai gostar. Anyway, parabéns pelo teu blog, e pelos seus textos maravilindos!

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  4. A parte do metrô me lembrou meu dia a dia, mas é ainda pior que isso, sério
    E Amanda, você não vai deixar esse mistério né? Uma continuaçãozinha ai seria muito aprovada pela minha pessoa

    Novembro Inconstante

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